Pipe
Na roda do mundo lá vai o menino.
O mundo é tão grande e os homens tão sós.
De pena, o menino começa a cantar.
(cantigas afastam as
coisas escuras.)
Mãos dadas aos homens, lá vai o menino,
na roda da vida rodando e cantando.
A seu lado, há muitos que cantam também:
cantigas de escárnio e de maldizer.
Mas como ele sabe que os homens,
Embora se façam de fortes,
se façam de grandes, no fundo carecem
de aurora e de infância
então ele canta cantigas de roda
e às vezes inventa algumas,
mas sempre de amor ou de amigo.
Cantigas que tornem a vida mais doce
e mais brando o peso das sombras que o tempo
derrama, derrama na frente dos homens.
Na roda do mundo lá vai o menino,
rodando e cantando seu canto de infância.
Pois sabe que os homens
embora se façam de graves, de fortes,
no fundo carecem de claras cantigas
- senão ficam ocos, senão endoidecem.
E então se segue cantando de bosques,
de rosas e de anjos, de anéis e cirandas,
de nuvens e pássaros, de sanchas senhoras,
cobertas de prata, de barcas celestes
caídas no mar.
Na roda do mundo
mãos dadas aos homens, lá vai o menino
rodando e cantando cantigas que façam
o mundo mais manso, cantigas que façam
a vida mais doce cantigas que façam
os homens mais crianças.
EPITÁFIO
O canto desse menino
talvez tenha sido em vão.
Mas ele fez o que pôde.
Fez sobretudo o que sempre
Lhe mandava o coração.
Thiago de Mello
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