sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Elegia ao Novo Mundo


                                            Camadas, Mario Bezerra
Chamo a atenção  para o excelente o poema de Narlan Matos, postado abaixo. Em mim, ele fala da interculturalidade presente, em especial, na teoria reencarnacionista: seus versos acenam para a nossa essência espiritual, múltipla e infinita, na poeira do tempo.  Ele foi o vencedor do importante e merecido prêmio “The 2007 Paul Borgeson Poetry Award”, oferecido pelo College of Fine Arts da University of Illinois at Urbana Champaign. Um grande privilégio ter visto este menino (re)nascer em Itaquara, na metade dos anos setenta.

Confira:

"Tu me perguntas meu amigo
Onde eu estive durante meu longo silêncio
Estive na açucena das canas e na amargura dos canaviais
onde as folhas tremiam de medo dos homens

Os canaviais me sussuraram em gritos horrendos
o sangue amargo que lhe adocicou a boca

As mãos ásperas que lhe enxugaram a face
O canavial que morria de fome antes de completer 27 anos de idade
Das vozes sem estrela que embalavam ao longe línguas estranhas
Ó canavial verde, de que cor é meu sangue vermelho ?
Meu sangue tem medo da morte do açoite da noite
Meu sangue tem medo de mim

Tu me perguntas meu amigo
Onde eu estive durante meu longo silêncio
Eu estive nos navios negreiros mercantes
que mercaram meu destino até a América até agora
beberam minhas lendas como se bebe um barril de rum podre
mercaram cada estrela do céu e do mar infinito
cada pássaro cada pluma de meu cocar
e desenharam mapas com meu sangue
e ergueram totens sobre minha tribo
e atearam fogo nos campos sagrados do meu povo
e suas lanças me repartiram as veias em continentes distantes

Tu me perguntas meu amigo
Onde eu estive durante meu longo silêncio
Estive pelas escumas dos mares nunca d’antes
Por onde vieram a pólvora a baioneta o espelho a tuberculose a siflis
Por onde vieram a espada e o elmo
- As nuvens jamais se esquecerão disso!

No atlântico negro
Nos tombadilhos de velhos navios piratas
Nos cababouços da crueldade humana
Nas prisões da Serra Leoa – que ainda doem em alguma dobra do meu corpo
Em Angola
Na Guiné-Bissau
No Senegal
No Benin
Estive no reino da Guatemala
E na provincia de Yucatán
E na provincia de Cartagena de las Indias
E nos grandes reinos e grande provincia do Peru
E no novo reino de Granada
E nas ilhas de Cuba e Trinidad
E nos reinos dos Aztecas
Onde espadas de brutalidade fenderam meu corpo nu
Onde os cães de caça dos barões das índias se alimentavam dos braços e das pernas de criancas indefesas

Tu me perguntas onde eu estive meu amigo
E somente agora posso quebrar meu silêncio:
Eu estive comigo".

Narlan Matos

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