sábado, 19 de outubro de 2013

Centenário do poetinha - que nos acompanhou em todas as fases!


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"Para viver um grande amor, preciso
É muita concentração e muito siso
Muita seriedade e pouco riso
Para viver um grande amor
Para viver um grande amor, mister
É ser um homem de uma só mulher
Pois ser de muitas - poxa! - é pra quem quer
Nem tem nenhum valor
Para viver um grande amor, primeiro
É preciso sagrar-se cavalheiro
E ser de sua dama por inteiro
Seja lá como for
Há que fazer do corpo uma morada
Onde clausure-se a mulher amada
E postar-se de fora com uma espada
Para viver um grande amor"


Vinícius de Moraes

domingo, 1 de setembro de 2013

“A memória é uma ilha de edição”


No próximo dia 3 de setembro, se encarnado, o jequieense Waly Salomão faria 70 anos. Num dia qualquer, ganhou de presente de sua mãe Bete Salomão, uma  máquina de escrever (Olivetti) e escreveu, para inaugurá-la, uma  carta de agradecimento:

 “Para pôr fim aos receios do seu coração de mãe eu digo que há infinitas formas de amor e viver mil e uma maneiras de amar e eu gosto das menos repetidas das mais espontâneas formas de dizer que eu te gosto inauguro a máquina com estas palavras para Bete para falar quanto gostei do presente da máquina chegado num dia especial 31 de dezembro”.



sábado, 22 de junho de 2013

DISCURSO DE PRESIDENTE

Como era de se esperar: a presidente começou dizendo que "as manifestações são coisas da juventude" no intuito de minimizar e desqualificar os movimentos de protesto e indignação que grassam as ruas do pais inteiro, a puxar múltiplas pautas. Ao contrário, sabemos que estavam nas ruas - como diz um conhecido, "de mamando a caducando" - e não apenas os jovens! No mais, segue falando genericamente - com um "melzinho de coruja" na voz e passando a largo de palavras como corrupção e impunidade, expressões repetidas à exaustão em todos os cantos...

Como previ, refere-se à legitimidade das manifestações (dizer ao contrário, quem há de?!) e "joga para a plateia" ao repetir os discursos captados da rua pela sua competente equipe marqueteira. E legitima as reivindicações, no intuito de agradar... Mais uma vez a genialidade baiana se revelou: João Santana se superou!

E aí, digo, (não apenas pra ela, mas pra quem quer enganar) de um jeito bem próprio de minha terra natal: "Quem não te conhece é quem te compra, criatura!"

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Cantiga quase de roda

Pipe

Na roda do mundo lá vai o menino.
O mundo é tão grande e os homens tão sós.
De pena, o menino começa a cantar.
 (cantigas afastam as coisas escuras.)

Mãos dadas aos homens, lá vai o menino,
na roda da vida rodando e cantando.
A seu lado, há muitos que cantam também:
cantigas de escárnio e de maldizer.

Mas como ele sabe que os homens,
Embora se façam de fortes,
se façam de grandes, no fundo carecem
de aurora e de infância
 então ele canta cantigas de roda
e às vezes inventa algumas,
mas sempre de amor ou de amigo.

Cantigas que tornem a vida mais doce
e mais brando o peso das sombras que o tempo
derrama, derrama na frente dos homens.
Na roda do mundo lá vai o menino,
rodando e cantando seu canto de infância.

Pois sabe que os homens
embora se façam de graves, de fortes,
no fundo carecem de claras cantigas
- senão ficam ocos, senão endoidecem.

E então se segue cantando de bosques, 
de rosas e de anjos, de anéis e cirandas, 
de nuvens e pássaros, de sanchas senhoras,
 cobertas de prata, de barcas celestes 
caídas no mar.

Na roda do mundo
mãos dadas aos homens, lá vai o menino
rodando e cantando cantigas que façam
o mundo mais manso, cantigas que façam
a vida mais doce cantigas que façam
os homens mais crianças.

EPITÁFIO

O canto desse menino
talvez tenha sido em vão.
Mas ele fez o que pôde.
Fez sobretudo o que sempre
Lhe mandava o coração.

Thiago de Mello

quarta-feira, 8 de maio de 2013


Salvador, BA

"Esta vida é uma estranha hospedaria,
De onde se parte quase sempre às tontas,
Pois nunca as nossas malas estão prontas,
E a nossa conta nunca está em dia."

Mário Quintana

ESTETIZAÇÃO



"Sensível e delicado e, ao mesmo tempo mestre de obras, às voltas com azulejo, aço, argila e material reciclado, Bel Borba cria figuras que se movimentam no espaço e transmitem mensagens – o público pode imaginar à vontade para onde elas vão e o que querem dizer, mas elas sempre sussurram vida, liberdade e harmonia, tornando mais bonita e instigante a paisagem de Salvador".

http://www.conexaocultural.org/2012/04/a-arte-de-bel-borba-o-picasso-do-povo/

Linda obra do artista plástico  Bel Borba, localizada numa esquina do Rio Vermelho, em Salvador. Inadvertidamente, jogaram tinta por cima.  Alguém (?) numa tentativa de recomposição fez surgir a segunda versão. No mês passado, vi que encobriram-na de novo... A arte incomoda? A estetização da cidade incomoda a quem?! 

segunda-feira, 6 de maio de 2013


"Hélio Oiticica cunhou a expressão Tropicália: ela nasceu num rio de humus generoso [...] do movimento da teoria do não-objeto, da ideia de superação do espectador, do bicho de Lygia Clark [...]". 

Waly Salomão. In: Armarinho de Miudezas, 1993.

O tempo, na esquina, à espreita




E eu, numa velha cantilena
antecipo pedidos. Redobro paciência.
Sou assim, de juntar pedaços...

JuMidlej, 2013

PONTEIO

“Lá estávamos todos nós no apartamento em que eu morava em Ipanema, até que um dia aconteceu o fogo que atravessou o Atlântico, vindo da revolta dos estudantes nas ruas do maio de 1968 francês. Lembro que foi o Guilherme Araújo que chegou de Paris muito impressionado, contando que nunca viu nada igual, que os estudantes tomaram as ruas da cidade, ficaram acampados, e por todo lado se via os grafites dizendo 'é proibido proibir'. Para nós, que buscávamos o novo, naquela ditadura militar que foi terrível, esta mensagem foi uma luz no fim do túnel: é proibido proibir”...

          Jards Macalé, um dos nomes na linha de frente do Tropicalismo.


No dia 5 de maio de 2003, vítima de câncer, desencarnava no Rio de Janeiro, aos 59 anos, o poeta jequieense Waly Salomão. Na foto, como o conheci, no início dos anos sessenta.
"O que o Tropicalismo devastou foi um pensamento linear. Privilegiou um pensamento, uma sensibilidade, um discurso, um comportamento que tendia para o mosaico, uma encruzilhada de sugestas, interconexões".

                                    Waly Salomão. Armarinho de Miudezas, 1993, p. 47.


A experiência estética inicia quando tudo o que sei e
tudo o que tenho sido já não bastam e o mundo apela por ser inventado.

Marcos Villela Pereira

domingo, 5 de maio de 2013


 "Algumas vezes o mundo fica tão longe que nem dá vontade de voltar".

 Lau Siqueira

terça-feira, 30 de abril de 2013

Lago Maggiore, Itália                                
''Na convivência, o tempo não importa. Se for um minuto, uma hora, uma vida. O que importa é o que ficou deste minuto, desta hora, desta vida. Lembra: o que importa é que tudo que semeares, colherás. Por isso, marca a tua passagem. Deixa algo de ti, do teu minuto, da tua hora, do teu dia, da tua vida...''

(Mario Quintana)

quarta-feira, 24 de abril de 2013





"Porque tudo que invento já foi dito 
nos dois livros que eu li: 
as escrituras de Deus, as escrituras de João.
Tudo é Bíblias. Tudo é Grande Sertão".

Adélia Prado. “A invenção de um modo”, fragmento.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

DETALHE



este caco de espelho
queimando feito brasa viva

memória tão breve de uma 
vida sólida em princípios

e leve no que sustenta
um corpo de cabeça erguida

viver é um verbo sem saída.

Lau Siqueira

terça-feira, 9 de abril de 2013




não espere por mim
por onde ando o caminho
não tem fim

Lau Siqueira

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Dias de adiar




Há dias
em que tudo o que eu queria
era a companhia de quem 
só me desse silêncios.
Não carecia durar. Dispenso a eternidade.
É que há dias 
em que a vida, fingida
passa por mim e nem liga.
Faz de conta que não me conhece.
Me esquece.
E são nesses dias,
que eu queria alguém inteiro,
que não me repassasse e-mails
cheios de vazios
nem me telefonasse
arrombando meus ouvidos
com palavras tetra-chaves
ou conselhos paulocoelhos.
Alguém que soubesse que a vida
é feita inclusive de dias assim.
Dias em que se cala
e se dorme juntinho
no sofá da sala
ouvindo B.B. King.
Porque há dias, meu amigo, 
que até os poemas de amor são doloridos.

(Marilda Confortin)

A Sociedade Mundial da Cegueira


                                                 Leonardo Boff

O poeta Affonso Romano de Sant'Ana e o prêmio Nobel de literatura, o português José Saramago, fizeram da cegueira tema para críticas severas à sociedade atual, assentada sobre uma visão reducionista da realidade. Mostraram que há muitos presumidos videntes que são cegos e poucos cegos que são videntes. Hoje propala-se pomposamente que vivemos sob a sociedade do conhecimento, uma espécie de nova era  das luzes. Efetivamente assim é. Conhecemos cada vez mais sobre cada vez menos. O conhecimento especializado colonizou todas as áreas do saber. O saber de um ano é maior que todo saber acumulado dos últimos 40 mil anos. Se por um lado isso traz inegáveis benefícios, por outro, nos faz ignorantes sobre tantas dimensões, colocando-nos escamas sobre os olhos e assim impedindo-nos de ver a totalidade.


O que está em jogo hoje é a totalidade do destino humano e o futuro da biosfera. Objetivamente estamos pavimentando uma estrada que nos poderá conduzir ao abismo. Por que este fato brutal não está sendo visto pela maioria dos especialistas nem dos chefes de Estado nem da grande mídia que pretende projetar os cenários possíveis do futuro? Simplesmente porque, majoritariamente, se encontram enclausurados em seus saberes específicos nos quais são muito competentes mas que, por isso mesmo, se fazem cegos para os gritantes problemas globais.

Quais dos grandes centros de análise mundial dos anos 60 previram a mudança climática dos anos 90?  Que analistas econômicos com prêmio Nobel, anteviram a crise econômico-financeira que devastou os países centrais em 2008? Todos eram eminentes especialistas no seu campo limitado, mas idiotizados nas questões fundamentais. Geralmente é assim: só vemos o que entendemos. Como os especialistas entendem apenas a mínima parte que estudam, acabam vendo apenas esta mínima parte, ficando cegos para o todo. Mudar este tipo de saber cartesiano desmontaria hábitos científicos consagrados e toda uma visão de mundo.

É ilusória a independência dos territórios da física, da química, da biologia, da mecânica quântica e de outros. Todos os territórios e seus saberes são interdependentes, uma função do todo. Desta percepção nasceu a ciência do sistema Terra. Dela se derivou a teoria  Gaia que não é tema da New Age mas resultado de minuciosa observação científica. Ela oferece a base  para políticas globais de controle do aquecimento da Terra que, para sobreviver, tende a reduzir a biosfera e até o número dos organismos vivos, não excluidos os seres humanos.

Emblemática foi a COP-15 sobre as mudanças climáticas em Copenhague. Como a maioria na nossa cultura é refém do vezo da atomização dos saberes, o que predominou nos discursos dos chefes de Estado eram interesses parciais: taxas de carbono, níveis de aquecimento, cotas de investimento e outros dados parciais.  A questão central era outra: que destino queremos para a totalidade que é a nossa Casa Comum? Que podemos fazer coletivamente para garantir as condições necessárias para Gaia  continuar habitável por nós e por outros seres vivos?

Esses são problemas globais que transcendem nosso paradigma de conhecimento especializado. A vida não cabe numa fórmula, nem o cuidado numa equação de cálculo. Para captar esse todo precisa-se de uma leitura sistêmica junto com a razão cordial e compassiva, pois é esta razão que nos move à ação.

Temos que desenvolver urgentemente a capacidade de somar, de interagir, de religar, de repensar, de refazer o que foi desfeito e de inovar. Esse desafio se dirige a todos os especialistas para que se convençam de que a parte sem o todo não é parte. Da articulação de todos estes cacos de saber, redesenharemos o painel global da realidade a ser comprendida, amada e cuidada. Essa totalidade é o conteúdo principal da consciência planetária, esta sim, a era da luz maior que nos liberta da cegueira que nos aflige.

Leonardo Boff á autor de A nova era: a consciência planetária, Record (2007).

domingo, 31 de março de 2013

Em Jung, individuar-se, alcançar a personalidade total consiste no reconhecimento das próprias sombras - aquelas que normalmente projetamos no outro e que, sem dúvida, requer coragem para trazer à luz, pois significa rever conceitos, crenças, valores... enfim, questionar o si mesmo. 

Gules, 2010.


heresia

(não azul) imensa e branca
a lua da páscoa

a mais ateia das luas

invariavelmente
me comove

(decifra-me)

e sempre me deixa
mais só


Márcia Maia

                                     Ipiaú, BA



Conceito abstrato
olho a fotografia
e vejo teu retrato

domingo, 10 de março de 2013

O CÉTICO E O LÚCIDO...

No ventre de uma mulher grávida estavam dois bebês.
O primeiro pergunta ao outro:
- Você acredita na vida após o nascimento?
- Certamente. Algo tem de haver após o nascimento.
- Talvez estejamos aqui principalmente porque nós precisamos nos preparar para o que seremos mais tarde.
- Bobagem, não há vida após o nascimento. Como verdadeiramente seria essa vida?
- Eu não sei exatamente, mas certamente haverá mais luz do que aqui.
- Talvez caminhemos com nossos próprios pés e comeremos com a boca.
- Isso é um absurdo! Caminhar é impossível.
- E comer com a boca? É totalmente ridículo! O cordão umbilical nos alimenta.
- Eu digo somente uma coisa: A vida após o nascimento está excluída - o cordão umbilical é muito curto.
- Na verdade, certamente há algo. Talvez seja apenas um pouco diferente do que estamos habituados a ter aqui.
- Mas ninguém nunca voltou de lá, depois do nascimento. O parto apenas encerra a vida.
- E, afinal de contas, a vida é nada mais do que a angústia prolongada na escuridão.
- Bem, eu não sei exatamente como será depois do nascimento, mas com certeza veremos a mamãe e ela cuidará de nós.
- Mamãe? Você acredita na mamãe? E onde ela supostamente está?
- Onde? Em tudo à nossa volta! Nela e através dela nós vivemos. Sem ela tudo isso não existiria.
- Eu não acredito! Eu nunca vi nenhuma mamãe, por isso é claro que não existe nenhuma.
- Bem, mas, às vezes, quando estamos em silêncio, você pode ouvi-la cantando ou sente como ela afaga nosso mundo...

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Infelizmente não encontrei a autoria!

quinta-feira, 7 de março de 2013


As catástrofes para as quais meu marido me prepara, consistem em testes diários. Tipo: se telefonarem dizendo que sua filha está com bandidos em Rocha Miranda, qual será sua conduta? Se der curto aqui em casa qual será sua primeira providência? Caso eu morra de repente, você sabe onde está nossa certidão de casamento?... Nessa última eu disse que havia coisas a fazer antes. Quais?, perguntou ele. Chorar. Respondi.

                                                                                                     Livia Garcia Roza

sábado, 2 de março de 2013


Art_Homer Winslow.

"Quem quer singrar os mares
sem passar por tempestades
é melhor fincar, na areia, o barco,
a vela, a vontade."


(Jota Velloso)

sexta-feira, 1 de março de 2013

FOGUEIRAS DE CORAÇÃO



Por Fauze Midlej

(Texto lido em reunião do Rotary Club de Ipiaú em novembro de 1983, ocasião em que homenageou o pioneiro Elias Midlej)

"Meus amigos, vou lhes contar uma história. Uma história que coincide com a história de Ipiaú.

Elias e Vitória Midlej
Era uma vez um casal de jovens, ele libanês, de Beirute, ela egípcia, de Alexandria. Ele com 19 anos, ela com 14. Ele de classe média, ela de origem mais nobre, cujo pai possuía até iate no Nilo. Conheceram-se, casaram-se e tiveram uma filhinha.

Atraídos por notícias de parentes, a respeito de um também jovem país de terras ricas, com muito ouro e diamantes, embarcaram em um navio, via Marseille, e vieram dar nas terras das Lavras Diamantinas, na Bahia. Motivos outros, que só o destino poderá explicar, conduziram-nos a um lugarejo chamado Rapa-Tição, via Mutuns, em busca de outro filão de ouro denominado cacau. Aqui, em Rapa-Tição, à luz de fifó e fogão de lenha, continuaram uma verdadeira odisseia, própria de jovens cheios de ambição e de esperança, digna de verdadeiros bandeirantes.

A primeira e grande dificuldade traziam de sua origem, a língua árabe, de difícil compreensão e escrita complexa. Como maior bandeira, a religião católica, esta sim, elemento de integração à nossa gente. E foi essa bandeira, somente ela, que lhes deu força para suportar as intempéries que o desconhecido lhes oferecia a cada momento. Salvou-lhes a solidariedade tribal, pois, para sobreviver, integraram-se na comunidade árabe que se formou no sul do nosso Estado.

Aqui nasceram mais nove filhos, completando dez de sua prole. Aqui fizeram de tudo para sobreviver. De quitandeiros a fazendeiros, e também donos de bar. Aqui fundaram, com seu sobrinho Zé Maron, a primeira loja, a Casa Kaytuli, com 14 portas.

Lembro-me do seu ideal máximo: criar os filhos com honradez e dar-lhes educação escolar. O primeiro objetivo foi alcançado em toda plenitude. O segundo, por motivos independentes de sua vontade, apenas em parte. Naquela época, a universidade era privilégio de poucos. E fui um deles, mas, infelizmente, o único.

Permitam-me falar um pouco de mim. Nasci em 1930. Não mais em Rapa-Tição, mas sim em Rio Novo. Lembro-me dos lampiões de gás. Lembro-me de “Zé Magrin” acendendo-os ao entardecer. Lembro-me das “tapagens” que fazia nas ruas, com barro, para represar as águas da chuva. Dos tamancos com solados de pneus, para não atolar na lama e no barro. Lembro-me do “Quebra-Viola”, da Rua da Quarana, do primeiro campo de futebol, das missas aos domingos competindo com as peladas do areião. Dos jegues transportando água do Rio de Contas, para o banho, e do “Ouro”, para beber. Dos primeiros paralelepípedos, colocados por mestre Deoclécio. Do Urânio, construindo a usina de luz que era apagada às onze horas da noite. Do meu padrinho, o lendário Pe. Phileto, de sã generosidade, que me dava “dois mil réis” para bater o sino. Da professora Lozinha no compromisso de educar e da sua palmatória. Do primeiro carro adquirido por “Zé Miraglia”. Do cinema mudo, com filmes de Tom Mix e Buck Jones. Da primeira namorada, do primeiro beijo, como diria Chico Buarque…

A vontade férrea e a obsessão de formar os filhos, ou o destino, induziram-nos a buscar o Rio de Janeiro, mas esse mesmo destino os trouxe de volta à sua terra, as suas verdadeiras raízes. Nessa nova aventura o seu desejo foi atendido, pois, pelo menos um de seus filhos obteve o diploma superior.

Aqui retornaram e viveram mais alguns anos, até que a saudade e o chamamento dos filhos os levaram a Salvador.

O amor à família superou e venceu o amor à sua terra, já agora Ipiaú.

Saíram contra a vontade, a contragosto, com saudade de seus amigos, pois tinham muitos. A saudade de Ipiaú reduziu a sua existência. Fora de Ipiaú sentiam-se como peixes fora d’água. Em Salvador, vieram a falecer, ele com 76 anos e ela, algum tempo depois, com 83. Em seu clã, contam-se dez filhos, 38 netos, 64 bisnetos e 12 tataranetos, totalizando 124 descendentes.

Mas deixaram seu exemplo, pleno de virtudes e poucos defeitos. Suas qualidades são inumeráveis, mas destaco, acima de todas, a honradez e a lealdade. Ele, homem probo, honesto. Dedicou sua vida à família e amou esta terra, que era a sua terra. Ela, mulher ímpar, que desde os 14 anos abandonou família, dinheiro e pátria para seguir aquele a quem dedicou a vida.

Os nomes desses jovens-anciãos são mais que nomes – são o próprio símbolo da vida que ambos construíram no exercício do bem e do amor – papai chamava-se Elias, mamãe chamava-se Vitória.

Agradeço a honrosa e justa homenagem prestada ao nosso querido pai, em meu nome e de minha família, mas não sem antes fazer alguns registros. O primeiro, a sua companheira, e o segundo, à saudade de nossos queridos irmãos Ibrahim e Vivaldo.

Ao finalizar, repito a citação de uma grande amiga: “Essa família é uma fogueira de corações”. Em nome dessa fogueira, muito obrigado!"

Ipiaú, 26 de novembro de 1983.