quarta-feira, 31 de março de 2010

SUFOCO

                           Imagem: KLIMT
José Pedro Goulart
(Porto Alegre - RS)

"As ideias perturbam a regularidade da vida". Isso ficou escondido no diário da Susan Sontag por dezenas de anos (saiu agora no Brasil pela Companhia das Letras). Ela tinha 16, quando rabiscou a frase. Dezesseis. Em seguida ela se pergunta: "...E o que é ser jovem durante anos e de repente despertar para a angustia, a premência da vida?" Dezesseis anos...

E eu me ponho a pensar. Não somente sobre a Susan Sontag, mas sobre as Susans Sontags que sempre pontificaram a minha imaginação. Onde elas estão? Onde elas andam? Qual a razão de muitas dessas mulheres brilhantes optarem, invariavelmente depois de casamentos intrincados, por relacionamentos homossexuais? Sontag terminou a vida ao lado da fotógrafa Annie Leibowitz. Simone de Beauvoir tinha um casamento "fraterno" com Sartre. Durante a vida dividiu o leito com homens, e em especial com mulheres, com intensidade.
Imagem: Vânia Medeiros
A Clarice Lispector, que amou o romancista Lúcio Cardoso, que era homossexual, decretou: "a vida conjugal sufoca".

O "sufoco" é um clássico. Para homens e mulheres, claro. Mas especulo se esse veneno não é mais venenoso para as mulheres. Especulo se toda essa futilidade que vemos nas novelas da TV, nas capas das revistas femininas, se todo esse consumismo boboca, não é uma resposta - meio histérica, meio neurótica - das mulheres ao sufoco da vida conjugal. (Onde andam as Susans Sontags de agora?)

Em "Cenas de um casamento", do Bergman, a personagem da Liv Ullmann se surpreende ao se identificar com uma mulher mais velha, que diz que depois de anos de casamento "tudo parece insignificante, cinzento, indigno".

O casamento foi tido sempre como um projeto feminino. Como se numa relação familiar estável todas as inquietações "delas" se resolvessem. Mas mesmo que o folclore diga o contrário, mesmo que os homens jurem o reverso, talvez a vida conjugal tradicional seja muito mais uma necessidade masculina. Há pesquisas, divulgadas apenas em circuitos especializados, fora da grande mídia, que revelam estatisticamente que homens casados são mais felizes que os solteiros e, ao contrário, as mulheres casadas são menos felizes que as solteiras.

Semana passada um sujeito em Belo Horizonte executou a tiros, à queima roupa, à luz do dia, diante de testemunhas e de câmeras, a mulher que não o queria mais. A faísca da loucura resolveu a tragédia que é, para um homem abandonado, existir.
"As ideias perturbam a regularidade da vida". Em parte, talvez isso explique o fato de algumas mulheres de ideias, como a Susan Sontag, optarem por um outro tipo de vida conjugal. É que homem sufoca.

Um comentário:

  1. Excelente texto!!!! Muito bom mesmo! Mulheres de idéias são mulheres corajosas, penso eu... Livram-se do que a sufocam sem olhar pra trás... Palmas!
    Liz

    ResponderExcluir