sábado, 7 de agosto de 2010

DEFINIÇÕES

      Gravura: http://cadernodematerias.zip.net/arch2008-06-08_2008-06-14.html
Relato de um médico oncologista:

"Já calejado, com longos 29 anos de atuação profissional, posso afirmar que cresci e modifiquei-me com os dramas vivenciados pelos meus pacientes. A impressão é a de que não conhecemos nossa verdadeira dimensão até que, apanhados pelas adversidades, descobrimos que somos capazes de ir muito além...
Recordo-me, com emoção, do Hospital do Câncer de Pernambuco, onde dei meus primeiros passos como profissional: comecei a frequentar a enfermaria infantil e apaixonei-me pela oncopediatria. Vivenciei os dramas dos meus pacientes, crianças, vítimas do câncer. Com o nascimento da minha primeira filha, comecei a me acovardar ao ver o sofrimento delas...
Houve um dia que um anjo passou por mim: ele veio na forma de uma criança  do sexo feminino de 11 anos, calejada por dois longos anos de tratamentos diversos, manipulações, injeções e todos os desconfortos trazidos pelos programas de químicos e radioterapias. Mas nunca vi a pequena fraquejar, embora tenha visto medo em seus olhinhos, como parte de sua humanidade...
Um dia, cheguei ao hospital cedinho e encontrei meu anjo sozinho no quarto. Perguntei pela mãe. A resposta que recebi, ainda hoje, não consigo contar sem vivenciar profunda emoção.
- Tio, - disse-me ela - às vezes minha mãe sai do quarto para chorar, escondido, nos corredores... Quando eu morrer, acho que ela vai ficar com muita saudade. Mas, eu não tenho medo de morrer, tio. Eu não nasci para ficar muito nesta vida!
Indaguei:
- E o que a morte representa para você, minha querida?
- Olha tio, quando a gente é pequena, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e, no outro dia, acordamos em nossa própria cama, não é?
- É isso mesmo.
- Sei que um dia eu vou dormir e Deus vem me buscar. Vou acordar na casa Dele...
 Fiquei sem saber o que dizer, chocado com a maturidade, a visão ampliada e a espiritualidade que o sofrimento acelerou, naquela criança.
- E minha mãe vai ficar com saudades - emendou ela.
Emocionado,  perguntei:
- E o que saudade significa para você, minha querida?
- Saudade é o amor que fica!
Hoje, aos 53 anos de idade, desafio qualquer um a dar uma definição melhor, mais direta e simples para a palavra saudade: é o amor que fica!
Meu anjinho já se foi, há alguns anos. Mas, deixou-me uma grande lição que ajudou a melhorar a minha vida, a tentar ser mais humano e carinhoso com meus doentes, a repensar meus valores.
Desde então, venho tentando:
Compreender que cada uma das pessoas, com as quais convivemos, está travando algum tipo de batalha na vida.
Daí, é preciso ser sempre mais humano e agradável com as pessoas.
Amar generosamente.
Viver com simplicidade.
Falar com gentileza.
Cuidar-me intensamente.
E, principalmente, evitar murmurar!"

ARTIGO DO DR. ROGÉRIO BRANDÃO, MÉDICO ONCOLOGISTA (adaptado).

2 comentários:

  1. Muito Lindo, isso, mãe! Ainda bem que temos esse espaço aqui pra que textos como esse fiquem eternizados!
    obrigada!

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  2. Este relato é emocionante, nos faz repensar a vida e principalmente compreendê-la melhor...

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