quarta-feira, 2 de maio de 2012

EM JEQUIÉ E SALVADOR


                                                                Waly, num bate papo com Val Rodrigues e outro amigo jequieense.

Waly Salomão

"Eu nasci em Jequié, que é uma cidade aqui bem perto da caatinga.

O poema 'Janela de Marinetti' é minha lembrança, os nomes das ruas, as vivências, as pessoas, é claro que com nome trocado. Por exemplo, eu tive uma professora integralista. Eu sempre detestei o integralismo e os pensamentos de direita mas eu não poderia dizer o nome dela, porque a família dela é muito próxima de minha mãe... Ia ferir minha mãe, que está com 89 anos, ela ia ficar muito ferida.

Então, eu substituí e botei assim: a professora Terezinha Fialho - e a família inteira de Dr. Fialho é o poleiro das galinhas verdes, de Plínio Salgado. Mesmo assim, eu tive que pedir permissão para a minha mãe, minha mãe já estava toda ouriçada, estava igual a um ouriço caixeiro, pronta para disparar: 'Isso não pode meu filho'. E até hoje eu tenho que obedecê-la totalmente nisso. Está aí o tipo de jurisdição que manda em mim.

Minha mãe é maravilhosa, lúcida, humorada, que tinha até histórias engraçadas. A própria pessoa que eu boto esse nome, Terezinha Fialho, essa professora, é tão amiga da família... Hoje, ela mora em Salvador, mas ficou hospedada em casa há 4 ou 5 anos e minha mãe deu uma camisola para ela dormir e ela acabou botando na mala e levou. Aí, eu brincava com minha mãe: 'Minha mãe, eu posso citar o nome dela, que ela pegou sua camisola e não devolveu?'. Aí ela: 'Não meu filho, não faça isso não, eles vão ficar zangados'.

Então tem esse tipo de viagem interior, a minha vida infantil, adolescente, essa viagem na memória, essa volta no tempo.

'Janela de Marinetti', vou te dizer, tem duplo sentido. Tomazo Marinetti, foi um grande teórico do futurismo. Dos grandes movimentos de vanguarda que movimentaram o século XX, o futurismo foi o primeiro grande deles. Influenciou o Fernando Pessoa, o Mário de Sá Carneiro. Pois é, Marinetti veio para o Brasil e a chegada dele ao Rio de Janeiro, as atitudes, as frases, eram todas de provocação. É desafiar o burguês, é bater, dizer frases incríveis. Ele gostava de carro de corrida, de tudo que fosse sinal de velocidade, de extensão de velocidade: o futurismo anunciava tudo isso.

Mas acontece que a vinda dele ao Brasil, ao Rio de Janeiro, foi um escândalo bem grande, ele adorava provocar escândalos, ele adorava dizer frases que chocassem, era totalmente assim. Essa vinda dele coincidiu com a introdução do transporte coletivo, do ônibus, na Bahia, Alagoas e Sergipe. Aí, o ônibus pegou o nome de Marinetti, em uma homenagem irônica ao grande teórico do futurismo. Isso é comum.

Na época do Juscelino Kubitschek , surgiu um tecido barato que ganhou o nome de JK.

Eu tenho uma amiga que comprou desse tecido e não lavou antes. Ela tinha um corpo escultural e costurou bem justo no corpo, saiu na cidade de Salvador, no dia do samba, dia 02 de dezembro e caiu no samba. Eu estava junto e meus amigos também. E ela sambava como ninguém naquelas rodas de samba da Baixa do Sapateiro. Começou a chover e o vestido foi encolhendo e foi um sufoco e ela queria que eu tomasse providência, eu e mais dois outros amigos homens, que estavam juntos. Eu, por exemplo, reagi da forma mais safada, mais brincalhona e falava: 'Perna, pra que te quero'. Ela realmente obedeceu isso e saiu aquela ladeira do lado do Cine Pax, que vai dar no terreiro de Jesus - é uma ladeira bem íngreme - ela saía correndo na frente, rindo e chorando, virava para trás e me xingava de tudo. Até hoje ela se lembra disso, eu vou dizer até quem é: Sandra Gadelha, foi mulher de Gilberto Gil. Só não posso dizer as palavras, era tudo xingamento, xingava de tudo que vinha na cabeça...

Uma parte tem isso, outra parte tem uma viagem espacial, que também não deixa de ser temporal, essas divisões não são assim tão corretas.

Eu sou filho de um sírio, meu pai veio garoto da Síria, atrás do pai dele, que tinha vindo para Jaguaquara, na Bahia. Meu pai veio bem garoto, 14 anos, atrás do pai dele e não o encontrou. Foi para Jequié, começou a trabalhar. Minha mãe tinha vindo de outra cidade do sertão, Carruados, para morar em Jequié e os dois se encontraram e se apaixonaram. Construíram a vida juntos. Meu pai depois morreu muito cedo" [...]


Fonte: Matéria sobre Tarifa de Embarque e poemas recitados
http://www.no.com.br/servlets/newstorm.notitia.apresentacao.ServletDeNoticia?codigoDaNoticia=3074&dataDoJornal=959990435000

Um comentário:

  1. Um relato gostoso e descontraído que também nos remete a pensar em nossas origens, como nossos pais chegaram aqui e muitas coisas maravilhosas que a gente nem sabe.Gostei muito! Um abraço, Iolanda

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