sexta-feira, 16 de abril de 2010

NA ESPERA DO AMANHÃ

Affonso Romano de Sant'Anna
"Vou dizer uma coisa banal: sem o mito do amanhã não existiríamos.

Digo e assumo essa fundamental banalidade. Não fora o amanhã secaríamos à beira dos caminhos. O amanhã é que fermenta o hoje, que fermenta o ontem. Por que migram as aves sobre os oceanos? Por que os peixes sobem cachoeiras procurando as nascentes do futuro? Os animais, aves e insetos ao redor, nos dão lição de aurora. [...]

O suicida é o que decretou a morte do amanhã. O idealista é o viciado que toma o amanhã nas veias, aspira-o, esfrega-o nos olhos e gengivas.

No entanto, dizemos: "está difícil", "a vida está dura", "assim não é possível", "esse país não tem mais jeito", mas no dia seguinte, amarfanhados, caminhamos junto ao mar para saudar a aurora.
Sábia é a natureza, nos dizem. Olhai os lírios do campo, eles passam a vida tecendo e fiando a manhã. E o jardineiro que parece um perverso podador, tão-somente antecipa a floração da vida com suas lâminas de dor. Em busca do amanhã as cobras perdem sua pele.  [...] Cães ladram pressentindo o terremoto, que os homens sequer percebem [...]

Alguns pré-videntes já estão legislando a constituição do amanhã. [...] É assim que Fênix- a fabulosa ave queimada nos desertos da Arábia- renascia das próprias cinzas e cantava transfigurada. Deus é o renovado amanhã.

O que fazem os amantes pelos bares e praias, junto às árvores de noturnas ruas e nos leitos secretos, senão cumprir o ritual de crença no amanhã?"

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